Conde Koma chegou ao Brasil acompanhado de Satake, que fora seu companheiro de viagem desde a saída do Japão, e outros três lutadores: Okura, Shimitsu, Laku. Juntos fizeram apresentações em várias cidades do país.
O Jornal “O Tempo” entre os dias 17 e 20 de dezembro de 1915 noticiava da seguinte maneira:
Troupe japonesa
“Chega hoje, a bordo do paquete “Pará”, a toupe de lutadores japoneses de jiu-jitsu, que vem fazer as delícias dos freqüentadores dos popularíssimos do Theatro Politheama.
Essa troupe que é chefiada pelo Conde Koma, campeão mundial de Jiu-jitsu, desembarcará em trajes orientais, percorrendo as ruas em automóveis.
Os espetáculos a serem realizados pela troupe são em números pequenos, porquanto tem ela de, em breve, realizar outros contatos.
Como se vê, a empresa C. Oliveira não perde a ocasião para facilitar ao público amazonense diversões várias e ótimas.
A estréia da troupe dar-se á segunda-feira , 20 do corrente.”
“Desta afamada troupe fazem parte: Satake campeão de New York, Okura campeão do Chile, Shimitsu campeão da Argentina e Laku, ex-professor militar do Peru.A estréia da troupe dar-se-á segunda-feira dia 20 do corrente. ”
“empougante estréia da afamada troupe de lutadores japoneses dirigida pelo Conde Koma, campeão mundial de jiu-jitsu.
Programação:
1 Apresentação da troupe.
2 Demonstração dos principais golpes de jiu-jitsu com discriminação dos golpes proibidos pelo Conde Koma.
3 Defesa pessoal executada pelo Conde Koma e Okura:Nessa parte, o Conde koma defender-se pelo jiu-jitsu dos dos seguintes e perigosos ataques: Agressão a soco, a faca, a pau. Estrangulamento; prisão de mãos, colhido pela cintura, agressão dos apaches: ataque a boxe; surpreendido pela retaguarda e diversas agressões a faca.
4 Desafio da troupe a qualquer lutador que queira lutar.
5 Primeiro e sensacional mach de jiu-jitsu entre Shimitsi (campeão argentino) e Laku, ex professor militar no Peru.”
Ressaltando que nessa época, mesmo no Japão, ainda não era costume dos lutadores referirem-se ao seu estilo chamando-o pelo nome da escola, Judô Kodokan, mas genericamente por Jiu-Jitsu. O termo Judô só se tornou popular mundialmente na década de 50. Isso ocorreu enquanto a arte da escola de Jigoro Kano se espalhava pelo globo, tornando-se gradualmente convenção chamá-la pelo nome que achava mais adequado seu criador.
Conde Koma (primeiro em pé à direita) e seus primeiros alunos no Brasil
Em Janeiro de 1916 a trupe se separou: Maeda, Okura e Shimitsu viajaram para Liverpool na Inglaterra, Ito Tokugoro (outro companheiro de viagem) seguiu para Los Angeles e Satake e Laku partiram para Manaus visando ensinar Jiu-Jitsu. Após 15 anos juntos, Satake e Conde Koma finalmente se separaram.
Conde Koma foi da Inglaterra para Portugal, Espanha, França e voltou ao Brasil sozinho em 1917, onde se fixou em Belém do Pará, casando-se com uma brasileira (May Iris) e adotando duas meninas (“Celeste” e “Cílvia”).
Estava satisfeito com a cultura e população local e lutava agora apenas esporadicamente, de forma amadora. Na época, aceitou um desafio do famoso capoeirista brasileiro “Pé de Bola”, que possuía 1.90m e mais de 100kg. Maeda permitiu que “Pé de Bola” entrasse com uma faca na luta, e mesmo com todo o tamanho do adversário e com o adversário armado, Conde Koma venceu facilmente.
Em 1921 fundou sua primeira academia de Jiu-Jitsu no Brasil, num galpão 4x4m, posteriormente a academia foi transferida para sede do corpo de bombeiros e mais tarde para a Igreja de Nossa Senhora Aparecida. A academia existe ainda hoje, sendo situada no SESI.
Conde Koma iniciou outra viagem em Setembro de 1921, junto com seus antigos companheiros Satake e Okura, passando por Nova York e Caribe, juntamente com sua esposa.
Em Havana, Conde Koma venceu 3 oponentes, um deles (Paul Alvarez) conseguiu vencer Satake, mas foi espancado por Maeda. Venceu na seqüencia um boxeador cubano chamado Jose Ibarra e um lutador francês chamado Fournier.
O segredo do sucesso de Maeda como lutador era sua experiência contra praticantes dos mais diversos estilos e sua profunda compreensão das diferentes fases de um combate, o que aprendeu ainda no Kodokan. Basicamente os estilos antigos de Jiu-Jitsu dividiam as técnicas em Atemi (golpes traumáticos), Katame-Waza (técnicas de Chão) e Nague-Waza (quedas). Por essa razão, a luta era segmentada temporariamente nessas três fazes distintas. O segredo da vitória, segundo ele, seria manter o combate no estágio que fosse mais vantajoso para você.
Em 1925 Maeda se envolveu na ajuda a imigrantes japoneses próximo de Tomé-Açu, continuando a ensinar Jiu-Jitsu, principalmente para os filhos dos imigrantes japoneses.
Foi naturalizados brasileiro com o nome de Otávio (Otávio Mitsuyo Maeda).
Em 1929 a Kodokan o promoveu a sexto Dan de Judô. E em 27 de novembro de 1941, ao sétimo Dan (póstumo). Mas Maeda nunca soube desta promoção, porque faleceu em Belém, em 28 de novembro de 1941 por doença renal.
Em 29 de Novembro de 1941, o jornal “O Estado do Pará” declarava:
Faleceu ontem as primeiras horas da manhã, em sua residência à vila bolonha, n 04, o conde koma, um dos mais destacados membros da colônia nipônica desse estado. O morto contava 63 anos de idade, nasceu na provincia de Aomori, no Japão em 18 de dezembro de 1678, tendo cursado a Universsidade waseda em Tóquio. Era casado com a senhora Mary Iris , deixando desse consócio uma filha apenas, a senhorita Celeste, acadêmica de medicina. foi o Conde koma diretor da Companhia Nipônica de Plantações do Brasil, e membro do Conselho Fiscal da companhia Industrial Amazonense S/A. O seu enterramento realizou-se ontem as 16:oo horas , saindo féretro da casa enlutada para a necrópole de Santa Isabel com grande número de pessoas amigas, autoridades e destacados membros da colônia japonesa do Pará.
Carlos Gracie demonstrando flexibilidade
O Jiu-Jitsu certamente teria desaparecido ou se convertido completamente no Judô Olímpico atual se não fosse o encontro de Conde Koma com um jovem de 15 anos: Carlos Gracie.
A Europa conservou traços de mestres japoneses de Jiu-Jitsu e Judô antigo que passaram e se estabeleceram por lá entre o final do século 19 até a metade do século 20, mas com enfoques mais direcionados à golpes traumáticos, quedas e a programas de defesa-pessoal desassociados de lutas reais, com pouco trabalho de chão. Por essa razão, diz-se que o Jiu-Jitsu europeu possui socos e chutes, no entanto é um sistema de combate bem menos efetivo que o brasileiro, que herdou a experiência em combates reais de Maeda.
Carlos Gracie nasceu em 14 de setembro de 1902, veio de família escocesa, radicada no Brasil. Seus ascendentes imigrantes conseguiram fazer um bom dinheiro e nome no Brasil, no entanto seu pai, Gastão Gracie, era um pouco mais descuidado com finanças, sendo definido como alguém instável em todos os aspectos.
Carlos Gracie foi um menino traquino, que teve um bom desenvolvimento durante a infância e início adolescência, realizando travessuras como jogar pedras em vidraças e fugir de jacarés dentro de rios. O Gracie percebera que o jacaré só enxergava em linha reta, por essa razão, saía da linha de ataque do animal, indo para a lateral durante a investida.
Em 1917, ainda adolescente, Carlos assistiu uma apresentação pública de Conde Koma (que era chamado de “O homem das mil lutas”) em Belém e ficou impressionado, sendo levado por seu pai para treinar na residência do mestre japonês, onde passou a ter aulas regulares. Algumas fontes dizem que Conde Koma aceitou treinar Carlos por gratidão ao seu pai, que era político e teria ajudado a facilitar a imigração de japoneses no Brasil.
Carlos teria estudado com Maeda por cerca de três anos, entre viagens freqüentes do mestre, ainda assim, aprendendo muito de seu método e filosofia. Basicamente o Gracie teria sido introduzido à um programa completo de defesa pessoal, estratégias e golpes para combates sem regras, muito trabalho de chão e algumas quedas.
As razões para isso eram que, na época no Japão, considerava-se mais fácil ensinar iniciantes com velocidade através de técnicas de solo, que rapidamente colocavam um iniciante em condições de enfrentar efetivamente um leigo em um combate real, e mesmo competir diretamente contra alguém mais avançado do que ensinando quedas. Em muitos torneios daquela época, onde não existiam pontuações, havia combates entre equipes e frequentemente os mestres treinavam seus discípulos menos avançados em estratégias de chão, para que, mesmo que não conseguissem fazer seus oponentes desistirem através de um estrangulamento ou chave, ao menos complicassem a vida dos mais graduados buscando um empate. Maeda seguia esta tradição.
Em 1922 os Gracie se mudaram de Belém. Carlos havia sido proibido por seu mestre de ensinar Jiu-Jitsu, no entanto, se vendo em más condições financeiras, após ser expulso de casa por seu pai, tentou trabalhar com Jiu-Jitsu no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e São Paulo. Carlos conseguiu finalmente um emprego no Banco do Brasil no Rio de Janeiro, e, nessa ocasião, dava aulas para seus colegas de banco.
A flexibilidade de Carlos
Carlos teve a vida transformada pelo Jiu-Jitsu, era estudante de filosofia oriental, esoterismo, treinamento e alimentação, sendo um dos pioneiros no estudo da dieta para aumento da performance atlética (Dieta Gracie), baseando seus estudos no trabalho de vários médicos e pesquisadores, incluindo o argentino Juan Esteve Dulin. Carlos também fez boxe na adolescência.
Como cursou pouco tempo regular de Jiu-Jitsu, embora tenha tido uma boa base, grande parte do Jiu-Jitsu do Gracie se desenvolveu nas pesquisas e aulas com seus alunos.
Em 1925 Carlos Gracie fundou a primeira “Academia Gracie de Jiu-Jitsu” no Rio, Rua Marquês de Abrantes, 106.
Seus irmãos Oswaldo e Gastão Jr. eram seus assistentes no empreendimento, atuando como instrutores (eram ensinados por Carlos). Nessa época seus dois irmãos menores, Hélio (com 12 anos) e George (com 14 anos) passaram à sua tutela.
O estilo de lutar de Carlos era peculiar, ele era especialista na chave de braço (arm-lock/juji-gatame), baseando todo o seu jogo pessoal na busca dessa finalização. Costumava avisar seus alunos que os pegaria em um arm-lock em determinado braço, para dificultar, já que ficariam atentos, e dessa maneira, desenvolveu muitas formas diferentes de chegar à posição e quebrar as defesas do adversário. Isso ajudou a construir um dos princípios fundamentais do Jiu-Jitsu Brasileiro: O de induzir o adversário ao erro. Como era um homem pequeno e leve, assim como os outros de sua família, essas adaptações eram necessárias para que pudessem vencer adversários mais fortes.
Carlos, visando promover o Jiu-Jitsu no Brasil, exatamente como seu mestre, desafiava quem quisesse por à prova sua arte. Inicialmente começou desafiando homens fortes, posteriormente capoeirista, lutadores de luta-livre, e em seguida qualquer um que tivesse interesse em se testar.
Carlos anteviu um projeto familiar de desenvolvimento do Jiu-Jitsu, no qual imaginava unir e projetar o nome de sua família por todo país através da arte. Isso daria a todos uma filosofia pela qual se guiar, e uma profissão garantida, além de elevar o nível técnico do grupo acima dos demais. Assim como na sociedade japonesa antiga, onde os estilos de Jiu-Jitsu eram desenvolvidos em clãs, Carlos imaginava que o mesmo poderia ser feito em seus dias.
Por essa razão lançava os chamados “Desafios Gracie” nos jornais, visando atrair mídia, e mesmo com anúncios do tipo “Se você quer ter sua face esmurrada e arrebentada, seu traseiro chutado e seus braços quebrados, entre em contato com Carlos Gracie no endereço..”, para promover suas aulas.
Carlos Gracie dando um armlock em Flávio Behring
Como naquele tempo o Jiu-Jitsu não era conhecido no Brasil como o Boxe e a Capoeira, desafiar homens dessas modalidades era uma necessidade para demonstrar a eficácia da arte. Carlos venceu lutas célebres, entre as mais famosas o campeão de luta-livre Rufino e o capoeirista Samuel, este último inclusive apertou seus testículos durante a luta, desesperado com a possibilidade de derrota.
No entanto a mais importante luta de Carlos foi contra o mestre japonês de Jiu-Jitsu Geo Omori, no desafio Gracie vs Japão em 1924. Ao final do terceiro round, Carlos encaixou um arm-lock justíssimo em Omori, que resistiu e não bateu em sinal de desistência, tendo o braço quebrado.
Omori continuou a lutar mesmo com o braço inutilizado, aplicando ainda uma queda em Carlos antes do final do combate.
Esse fato ajudou também muito no desenvolvimento do Jiu-Jitsu Gracie, já que Carlos a partir desse dia iniciou treinamentos na academia, que se tornaram constantes, onde os alunos deveriam lutar com apenas um dos braços, e mesmo, sem nenhum dos dois, criando um estilo peculiar de lutar que valorizava o movimento e pernas, a guarda e determinados tipos de controle (pegada) com uma única mão. Outro resquício desse combate foi a preferência de Hélio Gracie (irmão de Carlos) por estrangulamentos, já que nesse caso, não havia possibilidade do adversário continuar em combate em função de sua determinação, pois perderia rapidamente a consciência por falta de oxigenação cerebral. Os combates contra outras artes marciais, inclusive, ajudaram a colocar outras táticas no arsenal dos Gracie, como chutes de calcanhar nos rins e a levantada-técnica, vindos da capoeira da época.
Os irmãos de Carlos participavam de desafios, incluindo lutas de Jiu-Jitsu e vale-tudo, sendo George o maior representante da academia nos ringues.
Gradualmente o Jiu-Jitsu Gracie ganhou repercussão nacional, tornando os membros da família e alunos da academia, competindo com adversários muito mais pesados, famosos no Brasil, em uma época em que o futebol ainda engatinhava no país. Carlos era o mentor desta revolução.
Hélio Gracie com 22 anos
Hélio Gracie nasceu em 1° de Outubro de 1913 em Belém do Pará. Era o mais novo dos irmãos de Carlos Gracie, mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro para viver com o irmão. Segundo o próprio Hélio:
“Minha vida começou com Carlos Gracie. Foi ele quem me educou, me orientou, me passou um regime moral, me passou coragem… Mesmo depois de adulto ele continuara responsável por mim, me dava casa e comida. O que eu tinha, melhorei. O que eu não tinha adquiri.”
Hélio na infância tinha uma constituição física precária, sofrendo de problemas de saúde, como fraqueza e desmaios constantes. Fora proibido de fazer esforços pelos médicos, e por conseguinte, de treinar Jiu-Jitsu com os irmãos.
Através dos desafios colocados nos jornais, onde Carlos, George e Oswaldo faziam a linha de frente para defender a eficiência do Jiu-Jitsu contra qualquer arte ou pujança física, a Academia Gracie começou a ganhar seus primeiros alunos.
Os irmão haviam decidido que não ensinariam Hélio para que ele não se machucasse, no entanto, como não ia escola em função dos problemas de saúde, Hélio passava o dia inteiro na academia observando seu irmão Carlos dar aula.
Um dia, quando tinha 15 anos, Carlos se atrasou para uma aula com um importante funcionário do Banco do Brasil, Mário Brandt, e Hélio, que conhecia bem o programa por ter tantas vezes visto seu irmão repassá-lo, e tinha uma ótima memória, decidiu ele mesmo dar a aula. Repetiu exatamente o que o irmão repetia e respondeu o que ele respondia, sendo muito bem sucedido. Quando Carlos efetivamente chegou, o aluno lhe disse que gostara tanto que a partir daquele dia gostaria de ter aulas com Hélio.
Hélio então começou a dar aulas na Academia Gracie e iniciou seus treinamentos, nunca mais sofrendo do estranho problema de saúde que o acometia. No entanto, mesmo conhecendo e sabendo demonstrar os golpes, quando os realizava em treino não obtinha sucesso. Por essa razão, iniciou lenta, gradualmente e instintivamente adaptações das técnicas do Jiu-Jitsu japonês para a sua fraca constituição física.
Nas palavras do próprio Hélio: “Tudo que eu sei de Jiu-Jitsu muita gente sabe. A diferença é executar os mesmos movimentos sem fazer força”.
Hélio não tinha o mesmo biotipo de seus irmãos, nem passara boa parte da infância correndo e desenvolvendo suas habilidades físicas, pelo contrário, vivera atrofiado em função de sua doença. Seu irmão Carlos, embora fraco, era muito rápido, coordenado e habilidoso, já Hélio não era dotado destas mesmas qualidades.
O Jiu-Jitsu que existia até então, mesmo tendo sido sistematizado por Kano em cima de elementos científicos e lógicos, valorizava também muito a parte física, no próprio intuito de desenvolver o indivíduo. Hélio rompeu com esses valores ao adaptar as técnicas para que elas dependessem apenas de alavancas, e não de força, velocidade ou habilidade.
Isso se deu através da descoberta de pequenas peculiaridades nos movimentos, que, lembrando de Arquimedes, chamou de “alavancas”. Essas alavancas consistiam de diferentes ângulos de posicionamento dos membros e corpo, distribuição de peso e detalhes que potencializavam, e muito, movimentos simples. Por essa razão, a grande revolução de Hélio não era feita de movimentos ou golpes novos, mas de aperfeiçoamentos dos golpes básicos e de estratégias e combinações para aproveitar os erros do adversário. Seu Jiu-Jitsu era dividido nos princípios: Base, técnica e alavanca.
Todo o Jiu-Jitsu de Hélio Gracie consistia em procurar estes detalhes e encontrar bio-alavancas que permitissem que um homem fraco tivesse mais força que um homem forte em determinadas situações do combate.
Ele fez progressos rápidos, de tal maneira que em determinada época, Carlos se concentrava apenas em gerenciar a academia e os negócios da família, e Hélio dava 4 aulas por dia, das 6 da manhã as 9 da noite, estando ambos sempre sem tempo de sentarem juntos para que Hélio lhe mostrasse as modificações que vinha fazendo. Como os alunos estavam satisfeitos, Carlos também não o procurava. Em determinado dia, no entanto, Hélio já acreditava que tinha desenvolvido as técnicas de tal maneira que era necessário que Carlos soubesse o que estava acontecendo. Então, foi ao escritório conversar com ele. Carlos ouviu, no entanto ao invés de ressaltar os feitos de Hélio, elogiara outro instrutor da academia, comentando sobre sua força e habilidades, sugerindo que Hélio não estaria no nível dele. Hélio replicou dizendo que Carlos estava errado, e que ele poderia finalizar este instrutor e os outros três instrutores da academia em menos de 20 minutos. Carlos disse então “- Se você lutar contra esse instrutor ele vai virar você do avesso”. E os dois então combinaram um desafio no dia seguinte entre Hélio e os instrutores, para ver o que aconteceria. No outro dia Carlos disse que Hélio não precisava seguir em frente com a história, no entanto Hélio achava que essa era uma boa oportunidade de mostrar ao irmão o quão eficiente suas inovações eram, Ele finalizou os três primeiro instrutores em menos de 7 minutos, perguntando ao final ao irmão: “Você acha que eu vou perder mais de 13 minutos pra finalizar o último?”, acabou finalizando o quarto instrutor em cinco minutos. Carlos ficara estonteado.
Hélio treinando com Carlos
Outra mudança importante lançada por Hélio, nesse caso juntamente com seu irmão Carlos, foi a alteração do foco do Jiu-Jitsu, de esportivo, para a defesa pessoal. Como vimos no começo, a filosofia de Kano via como sem função as técnicas marciais em si mesmas na era moderna, sendo apenas um meio para o aprimoramento do indivíduo. Hélio Gracie, por muitas razões, e talvez mesmo por desconhecimento da filosofia de Kano e pelo próprio modo como Carlos foi ensinado por Conde Koma, colocou os combates reais e a defesa pessoal como focos principais no seu Jiu-Jitsu. Isso permitiu que ele seguisse um processo inverso do Judô, que se esportivizava, permanecendo fiel às raízes de combate.
Hélio havia ganho muita auto-confiança através do Jiu-Jitsu, pois não se sentia mais intimidado ou ameaçado mesmo por indivíduos mais fortes, e por essa razão, acreditava que o que ele desenvolvia era direcionado às pessoas fracas, que se sentiam inferiorizadas, e não para os atletas. Segundo ele, os atletas não precisavam do seu Jiu-Jitsu, no entanto através dele, podiam duplicar sua eficiência em combate.
Por fim, a mais marcante mudança filosófica colocada por Hélio foi diretamente derivada do seu foco em combates reais: A valorização da defesa. Segundo a filosofia de Hélio, um homem forte poderia forçar aberturas no seu adversário impondo suas técnicas através da vantagem física. Um homem fraco não poderia seguir a mesma estratégia, e deveria, portanto, defender.
A defesa seria sempre mais rápida e efetiva que o ataque, porque o ataque normalmente envolve vários passos e movimentos longos, já defesas são naturalmente diretas, curtas e constituída de movimentos simples. Através da defesa o homem fraco poderia preservar sua energia até o momento em que o homem forte cansar, ou cometer um erro, para enfim atacar em uma situação de vantagem. Outro ponto culminante é que o ataque sempre exporia mais, abrindo oportunidades para o adversário. O Jiu-Jitsu de Hélio era inteiramente baseado em contra ataques sob as reações de seu oponente, exibindo várias opções para diversos tipos de reação. Por outro lado o estilo de Kano valorizava o ataque, sendo, segundo o próprio a frase “O ataque é a melhor defesa”, de sua autoria.
Hélio resume sua filosofia:
“O meu Jiu-Jitsu é uma espécie de ratoeira. A ratoeira não corre atrás do rato. Mas, quando o rato bota sua garra no queijo, a armadilha dispara. Toda agressão se encaixa num tipo de defesa. É a agressão que define o tipo de golpe.”
“Se você perdeu, é porque cometeu um erro, se você não cometer nenhum erro, você não perde. Eu luto para não perder! Eu nunca entrei em uma luta pensando em ganhar. Meu quadro mental é diferente – Eu entro pensando em não perder ”
“No meu caso, lutando pra não perder você assume uma postura defensiva e deixa o adversário tentar. Ele é o único mantendo a pressão, ele é o único agindo, e ele é o único errando e você deve estar pronto para capitalizar sobre qualquer erro que ele cometa, e possivelmente terminar a luta ali. Eu tiro vantagem dos erros dele, da sua ansiedade em terminar a luta”
“Se você não perder, você venceu. Esta filosofia está imbuída no Jiu-Jitsu Gracie porque essa é a minha natureza. Eu sempre penso “Por que eu deveria atacar?”. Essa é minha teoria e a base da minha arte marcial. Quando você luta pra não perder você luta de uma maneira diferente de quando você luta para ganhar. Quando você está defensivo, você sempre tem a chance de atacar, mas quando você ataca você se expõe à contra-ataques”.
“Eu queria fazer as mesmas coisas que meu irmão Carlos fazia, mas eu não era tão bom atleta como ele era. Por isso, foi impossível para mim lutar do mesmo jeito que ele lutava. Eu tive que modificar as técnicas para então poder fazer, o que significava que agora qualquer um poderia fazer, porque eu era uma pessoa muito fraca e nada atlética. Em vez de saltar do telhado do segundo andar, eu construí uma escada e desci. No final, o resultado é o mesmo, mas eu usei uma maneira diferente, a maneira que eu vislumbrei devido a minha própria limitação física. Instintivamente, ou por necessidade, eu terminei criando uma nova arte que agora é praticada em torno do mundo: O Jiu-Jitsu Gracie. O que Carlos e o resto faziam e aprendiam era mais como o Judô, baseado em técnica, força e explosão. Era mais como um esporte de luta para competições. Meu Jiu-Jitsu é para lutas reais, para lutas de rua.”
Em função da grande disseminação do Jiu-Jitsu do mundo, parte das técnicas e da filosofia de Hélio foram diluídas. Seguramente sua filosofia é bastante lógica do ponto de vista da defesa pessoal, no entanto, como ele mesmo afirmava, ineficiente para situações de competição esportiva, onde havia limites de tempo e contagem de pontos. Nessa situação, não haveria como esperar tempo o suficiente para o erro do adversário, e por conseqüência, oponentes atleticamente mais desenvolvidos levariam grande vantagem, o texto abaixo resume o pensamento de Hélio sobre o Jiu-Jitsu esportivo:
“O Jiu-Jitsu que criei foi para dar chance aos mais fracos enfrentarem os mais pesados e fortes. E fez tanto sucesso, que resolveram fazer um Jiu-Jitsu de competição. Gostaria de deixar claro que sou a favor da prática esportiva e da preparação técnica de qualquer atleta, seja qual for sua especialidade. Além de boa alimentação, controle sexual e da abstenção de hábitos prejudiciais à saude. O problema consiste na criação de um Jiu-Jitsu competitivo com regras, tempo inadequado e que privilegia os mais treinados, fortes e pesados. O objetivo do Jiu-Jitsu é, principalmente, beneficiar os mais fracos, que não tendo dotes físicos são inferiorizados. O meu Jiu-Jitsu é uma arte de autodefesa que não aceita certos regulamentos e tempo determinado. Essas são as razões pelas quais não posso, com minha presença, apoiar espetáculos, cujo efeito retrata um anti Jiu-Jitsu.”
Hélio Gracie concentrando antes da luta
Enquanto desenvolvia suas técnicas Hélio Gracie passou por diversos desafios contra outros lutadores, fortalecendo ainda mais o nome de sua família na imprensa, onde seus irmãos já eram consagrados.
Na academia, sua primeira finalização em treinos foi contra o lutador Edgar Santos Rocha, que cruzara os pés enquanto tentava pegar Hélio em um estrangulamento, acabando por tomar uma chave de pé. No entanto, sua estréia nos ringues ocorreu aos 18 anos, no dia 16 de Janeiro de 1932, quando, levado pelo irmão Carlos, enfrentou, nas regras do Vale-Tudo o então campeão brasileiro de Boxe, Antônio Portugal, no Colyseu Internacional.
Hélio estava muito nervoso e emocionado com a estréia “Carlos me perguntou alguma coisa, eu quis responder e não consegui, a voz não saía”.
Hélio se esquivou de um soco, derrubou e finalizou, em 40 segundos. A enorme rapidez da vitória surpreendeu tanto os espectadores que alguns até acharam que se tratava de marmelada. Após essa luta seu nome começou a figurar na mídia ao lado de seus irmãos, Carlos, George e Oswaldo.
Em função da ótima estréia, Hélio foi logo escalado para enfrentar o japonês Takashi Namiki, faixa-preta da Kodokan, no teatro João Caetano. Essa luta foi de Kimono, nas regras do Jiu-Jitsu (sem valer golpes traumáticos). Pelo fato do japonês pertencer à Kodokan a imprensa via Hélio como o azarão do confronto, no entanto ele mostrou que seu Jiu-Jitsu não devia nada ao japonês, que nessa época já negligenciava a luta de chão (Kano mudara as regras competitivas do Judô em 1925). Hélio fez dez rounds de dez minutos muito parelhos e no final montou e quase pegou o braço. Como não houve finalização, declarou-se empate. Inconformado, Hélio fez um novo desafio a Namiki, que recusou.
Em 6 e Novembro de 1932 Hélio enfrentou o gigante americano Fred Ebert, que pesava 93kg e era vice-campeão mundial de Luta-Livre, com mais de 600 lutas. Aos 18 anos e pesando 63 kg Hélio era apontado como vítima na imprensa. Após 110 minutos de combate a Polícia interrompeu o combate, em algumas versões em função do elevado grau de violência, em outras em razão de um decreto que proibia qualquer espetáculo público após as duas da manhã. No momento da interrupção, o americano mal conseguia ficar de pé e Hélio tinha os cotovelos pretos de tantas cotoveladas que tinha desferido contra a face do grandalhão.
Em 1934 Hélio voltou a testar seu Jiu-Jitsu contra o de um japonês. Myaki treinava em São Paulo e era diplomado faixa-preta pela Kodokan. Na época, como demonstrou em apresentações, Myaki era capaz de amarrar uma corda no pescoço e resistir à duas pessoas apertando. A luta era de kimono, e Myaki começou atacando, aplicando quedas, enquanto Hélio caía fazendo guarda, procurando aberturas para impôr seu melhor jogo de chão. Aos 22 minutos Hélio encaixou um estrangulamento justo, com as duas mãos no fundo da gola, ao tentar levantar para defender Myaki foi raspado por Hélio, que caiu montado. Tentando resistir ao estrangulamento, o japonês perdeu a consciência.
Na quinta luta, em 28 de julho de 1934, no Estádio Brasil, Hélio enfrentou a pedreira Wladek Zbyszko. Além de muito maior (120kg) o oponente americano era campeão mundial de cath-as-cath-can. A luta terminou em empate, não provocando muitas emoções na platéia, pelo fato de ser esportiva, e por Zbyszko ficar os dois rounds inteiros na guarda de Hélio. Ao final Hélio pediu prorrogação, mas o americano, cansado, não aceitou.
Hëlio apagando Myaki
No ano seguinte, Fevereiro de 1935, Hélio fez uma nova luta de vale-tudo, desta vez contra o campeão brasileiro de Luta-Livre, Orlando Américo da Silva, o Dudu, que pesava 88kg, 22 quilos a mais que Hélio. Dudu havia desafiado George Gracie, mas a luta não acontecera por divergências nas regras, onde Dudu desejava que imobilizações valessem como vitória total no combate. Esta foi a luta mais violenta de Hélio, com muito sangue. Como era muito mais leve, o Gracie foi logo derrubado após acertar um tapa no rosto de Dudu, caindo por baixo, em guarda. Mesmo estando por baixo, Hélio acertou vários golpes em Dudu, que tentou contra-atacar com cabeçadas. Quando voltaram em pé, Dudu estava desfigurado. Aos 19 minutos, percebendo o adversário tonto, Hélio deu um forte pontapé em sua boca, seguido de um soco no estômago, forçando Dudu a desistir, vencendo por nocaute. Segundo os jornais, ao final Dudu urinava sangue e farinha dos rins.
No final de 1935 Hélio enfrentou mais um Japonês, Yassuti Ono, que quase definiu o combate no primeiro round com uma chave de braço, e aplicou dezenas de quedas durante a luta:
Ele chegou ao Brasil dizendo-se capaz de lutar com os cinco irmãos Gracie na mesma noite. Foi o japonês mais filha da mãe de todos. Tinha uma resistência tremenda. Ele me deu um amasso que eu não sabia onde estava. Quando acabou o round, não via nada, a vista ficou escura e falei para o Carlos que ia desmaiar. Ele me levou para a beira do ringue me dando amoníaco para inalar. Acordei e levantei, quase morrendo. No segundo round, ele fez de tudo, só não conseguia montar. Fui dominado. No final do terceiro round, ele deu uma bobeada e eu enforquei, apertei, ele ficou em pé e me trouxe, estava resistindo ao golpe, mas eu continuei. Tocou o gongo, eu larguei, mas ele caiu nocauteado. Foi salvo pelo gongo! Entraram no ringue, acordaram o japonês, e ele fugiu nos dois rounds de 20 minutos que faltavam.” Passados os 100 minutos definidos para o combate, foi declarado empate.
Em 1936 Hélio enfrentou mais dois japoneses. O primeiro foi Takeo Yano, que conseguiu um empate contra Hélio fugindo a maior parte do combate. A multidão que lotava o Estádio Brasil vaiou muito o japonês. Em uma entrevista posterior à luta Hélio disse que preferia enfrentar o duro Ono à lutar novamente com Yano, pois entre um adversário perigoso e um fujão, escolhia o primeiro.
O segundo japonês, Massagushi, campeão de Sumô, fora avisado do temido “estrangulamento Gracie”. Quando Hélio montou, ele tentou defender o pescoço, e foi então vítima de uma chave de braço. Este foi o único japonês que Hélio venceu rapidamente.
Em 1937, em Belo Horizonte, Hélio finalizou o boxer Erwin Klausner e, meses depois o capoeirista “Espingarda” em um desafio à portas fechadas. Nesta época desafiou o então Campeão Mundial de Boxe, Joe Louis, que enviou uma carta à Hélio dizendo que só aceitaria lutar com ele nas regras do boxe.
Após essas lutas se dedicou exclusivamente à dar aulas, até que em 1950, quando completara 37 anos, foi desafiado pelo baiano Landulfo Caribé, em uma luta em que Hélio levou menos de 4 minutos para vencer.
Três meses depois, Hélio apagou Azevedo Maia com um estrangulamento em dois minutos e dez segundos na redação do Jornal Diário Carioca.
A Academia Gracie ganhou muito prestígio com os combates de Hélio, recebendo alunos famosos como o ex-presidente João Figueiredo, Carlos Lacerda e Mário Andreazza.
Hélio Gracie e seus irmãos Carlos e Gastão, em uma confusão em 1934 com Manuel Rufino (o mesmo que perdera para Carlos), foram condenados pelo STF à quase dois anos de prisão, no entanto receberam um indulto de Getúlio Vargas (um dos únicos já dados na história do país), que cedeu à uma grande campanha popular pela libertação organizada pela poetiza Rosalina Coelho Lisboa.
Masahiko Kimura
Por ter enfrentado já seis lutadores nipônicos sem nunca ter sido derrotado, Hélio começou a incomodar a colônia japonesa em São Paulo. Algumas versões dizem que Masahiko Kimura, o maior campeão que o japão já produziu, veio ao Brasil à convite do jornal São Paulo Shinbun (periódico da colônia) para realizar uma série de lutas de pro-wrestling (lutas combinadas) e fazer algum dinheiro, outras versões dizem o motivo da vinda do japonês foi a pressão que a colônia fez sobre o jornal para trazer os melhores do japão, já que os lutadores locais não haviam sido bem sucedidos contra os Gracie.
O fato é que no final de julho de 1951, Masahiko Kimura, o número um do Japão, veio ao Brasil juntamente com dois companheiros lutadores (Kato e Yamagushi).
Hélio recebeu uma ligação de um jornalista seu amigo, que estava entrevistando os lutadores, com as seguintes palavras: “Hélio, estão aqui comigo os campeões mundiais de Jiu-Jitsu”. Hélio ficara perplexo com a notícia, embora já estivesse com 37 anos e um pouco assustado esta era sua chance de medir seu Jiu-Jitsu contra o melhor do mundo. Hélio desafiou Kimura, que recusou o desafio:
“Na minha vitória sobre Hélio poderão alegar grande diferença de peso. Como tenho certeza que Kato vencerá com a mesma facilidade, acho melhor assim”, declarou aos jornais o campeão japonês, que garantiu que lutaria com Hélio, caso vencesse Kato, que pesava 75kg.
Hélio não tinha pretensão de derrotar Kimura, primeiro porque, como ele mesmo disse na época, havia uma diferença muito grande entre o Jiu-Jitsu deles. Kimura era campeão mundial, treinara a vida inteira no japão com os melhores sparrings e sob um regime atlético, já Hélio aprendera seu Jiu-Jitsu do irmão que aprendera por alguns anos com o ex-campeão mundial Conde Koma. O segundo, e talvez principal motivo, era porque o objetivo de Hélio, em qualquer luta, nunca fora a vitória. Seu Jiu-Jitsu era um método que havia refinado e desenvolvido para a defesa pessoal, e seu único objetivo ao subir no ringue era provar que através deste método ele não poderia ser derrotado, pouco importando se venceria ou não o adversário.
Hélio não acreditava que venceria Kimura, no entanto tinha na sua mente a dúvida se alguém poderia ou não derrotá-lo, queria saber como e de que maneira, o campeão japonês o venceria técnicamente. Kato havia sido apresentado como o terceiro melhor do mundo, já de Yamagushi, bem mais pesado, os japoneses se recusaram a oferecer as credenciais.
Inicialmente Hélio não desejava lutar contra Kato, se tivesse que perder, queria que fosse para Kimura, no entanto seu irmão Carlos o persuadiu, prevendo que, se Hélio derrotasse Kato, Kimura não teria outra escolha a não ser desafiá-lo: “Luta com esse Kato, Hélio, porque você vai vencer, e vai acabar fazendo duas lutas ao invés de uma”.
Acabaram então aceitando o combate contra Kato, visando uma luta posterior contra Kimura. O desafio contra Kato foi dividido em uma série de duas lutas, a primeira a ser realizada dia 6 de Setembro de 1951, no Maracanã (Rio de Janeiro), e a segunda dia 30 do mesmo mês, no Pacaembu (São Paulo). Definiram-se três rounds de de minutos, por dois de descanso.
Na primeira luta, o público ocupava 1/3 do Maracanã, Hélio começou levando uma queda espetacular, mas aos poucos foi trazendo o Judoca para sua guarda. Até o final do confronto, nada de interessante havia ocorrido até que nos últimos minutos do terceiro round, Hélio permitiu que Kato lhe aplica-se um “seoi-nague” e inverteu agilmente a posição, terminando montado, o que levou o público ao delírio. Kato foi salvo pelo gongo, e a luta terminou empatada. Ao final, Hélio surpreso disse ao seu irmão: “Eu posso vencer esse japonês”.
A segunda luta ocorreu em São Paulo, Hélio Gracie, bem mais confiante, soltou o jogo e após levar quatro quedas do Japonês o apagou com um estrangulamento da guarda fechada, faltando quatro minutos para o final do primeiro round. Na volta para o Rio, Hélio fez a seguinte declaração para “O Globo”:
“Ele não percebeu que minha outra mão entrava-lhe diretamente na aba do Kimono. Estávamos portanto, tentando o estrangulamento, ambos com os golpes armados, mas Kato não conseguiu passar pela minha barragem de pernas, tornando o meu golpe mais eficiente e entrando então na fase decisiva da luta. […] Notei que o japonês largou para defender o seu pescoço, consumando a minha supremacia no golpe. Apertei mais o golpe e Kato começou a desfalecer, diminuindo a pressão nos meu pulsos. Por isso continuei fechando o estrangulamento, chamando a atenção do juiz: “O japonês vai dormir”. O juiz não me ouviu, ou não me entendeu, mas, afinal, o larguei para o lado, caindo Kato pesadamente como um fardo. Fui ao canto, enquanto Kato era socorrido, voltando a si somente segundos depois. Foi a maior emoção da minha vida, porque constatei que meu Jiu-Jitsu era superior ao dele.
Com a derrota de Kato, Kimura invadiu o ringue e desafiou Hélio, como Carlos previra. No calor do momento chegou a dizer que começaria a luta deitado. Disse também que se Hélio resistisse a mais de três minutos, lhe daria o título de campeão mundial. Nem uma coisa nem outra ocorreram, mas a luta foi realizada em 23 de Outubro de 1951, novamente no Maracanã, onde o maior lutador brasileiro enfrentaria o maior lutador de todos os tempos do japão.
Nessa época, nos anos 50, foi a primeira vez que os Gracie ouviram falar em Judô. O Jiu-Jitsu japonês, em função das regras competitivas, já havia se convertido quase completamente em uma modalidade esportiva que privilegiava basicamente quedas e com pouco trabalho de chão. Convencionara-se internacionalmente chamar a modalidade de Judô, e foi assim que os campeões chamavam seu próprio estilo em boa parte das entrevistas. O foco total em quedas fez com que os Gracie imaginassem que o Judô era uma estratégia japonesa para não perder a supremacia no Jiu-Jitsu, exportando um método que continha apenas uma pequena parte, a de desequilíbrios, não sendo, portanto, novidade.
Kimura nascera no dia 10 de setembro de 1917 em Kumamoto, Japão. Aos 16 anos, após 6 anos de judô, ele foi promovido a 4° dan após vencer uma fila de 6 oponentes (todos terceiro e quarto dan). Em 1935, aos 18 anos, ele se tornou o mais jovem Godan (faixa-preta 5° dan) da história, após derrotar 8 oponentes consecutivos na Kodokan. Tornou-se campeão do All Japan Judô, na categoria aberta, aos 20 anos e manteve seu título por 13 anos sucessivos, sem sofrer uma única derrota neste período. Fora campeão também da maior competição já organizada no Japão, o Ten-Ran Shiai (1940), um torneio especial realizado na presença do próprio imperador.
Kimura fazendo supino
Ele era um obstinado por treinos, treinando inclusive de madrugada e costumava usar suas quedas, principalmente seu famoso O-Soto-Gari contra árvores. Sua rotina de treinamentos, segundo o próprio, incluía mais de 9 horas e mil flexões por dia, em comparação aos seus adversário que treinavam em média 3 a 4 horas e faziam 300 flexões. Fazia também levantamento de peso, sustentando cargas altíssimas para sua altura. Um verdadeiro monstro como atleta.
Embora o chão nesta época já fosse limitado no Judô japonês, Kimura era muito versado em técnicas de solo, que aprendera na juventude nos campeonatos de Kosen (estes eventos preservavam as regras do Judô anteriores a 1925).
A luta entre Kimura e Hélio estabeleceu um recorde de renda no Maracanã (339 mil cruzeiros), com direito à presença do vice-presidente da república, Café Filho.
“A imprensa não queria que eu lutasse” disse Hélio, “Mas eu queria ver o grau do Jiu-Jitsu deles, o golpe que me venceria. Por isso paguei para ver”. Kimura prometera finalizar em três minutos, no entanto, Hélio bem mais leve resistiu 13 minutos à blitz do poderoso japonês, sendo ao final pego por uma chave de ombro (ude-garami) que Carlos achou que poderia incapacitá-lo para sempre, decidindo então jogar a toalha para o irmão, que se negava a bater em sinal de desistência.
Relatos posteriores de Hélio afirmavam que ele chegou mesmo a desmaiar por poucos instantes no meio da luta devido a pressão em determinado momento, acordando em seguida, com a dor da técnica posterior.
Hélio declarou no dia seguinte:
“Kimura, como grande esportista que é, demonstrava surpresa quando constatava que eu tinha recursos técnicos para escapar dos golpes que ele me armava. Com isso, logo compreendeu que teria que adotar outra tática para chegar a vitória: Martelar uma parte só do meu corpo. Suas seguidas chaves acabaram por quase inutilizar meu braço para a luta. Eu não esperava tamanha insistência no mesmo golpe. Fico com o consolo que só a superioridade física permitiu ao campeão realizar tantas vezes o mesmo golpe.”
Em 1952, ano seguinte à luta com Kimura, nasceu o primeiro filho de Hélio Gracie, Rórion. Neste mesmo ano, Hélio, que agora se dedicava à administração dos negócios da família, inaugurou, juntamente com Carlos, a nova “Academia Gracie” no centro do Rio de Janeiro. Segundo o próprio, a “melhor academia de Jiu-Jitsu de todos os tempos”:
“Carlos voltou do Ceará e me propôs abrir uma academia em sociedade. Ele estava com uma nota disponível e comprou um andar inteiro na Avenida Rio Branco. A Academia era um colosso. Nunca existiu, nem vai existir no mundo negócio parecido”
“Ela era dotada de cinco ringues e dávamos cem aulas particulares por dia. Tivemos 600 alunos por mês por mais de 20 anos”
Nesta época os alunos de Hélio participavam de desafios de Vale-Tudo contra outras artes marciais e também de Jiu-Jitsu, contra academias remanescentes de alguns alunos que não eram Gracie, também ensinados décadas atrás por Conde Koma (dentre estes os mais famosos estavam os da academia Fadda, comandada pelo mestre Oswaldo Fadda). Estes alunos de Hélio que atuavam como defensores do Jiu-Jitsu também faziam parte do quadro de instrutores da nova academia. Entre eles estavam os hoje grandes mestres Carlson e Robson Gracie, Hélio Vígio, Armando Wriedt e João Alberto Barreto.
Os instrutores eram supervisionados por Hélio rigorosamente:
Eu controlava e dava multa por atrasos. O professor tinha um minuto para sair com o aluno do ringue e levar o outro no intervalo de cada aula de meia hora. Cada minuto de atraso era uma quantia. Se o aluno se atrasasse, saía na hora certa. Não tinha reposição, porque não tinha hora vaga. Às vezes um cara esperava um ano pra se matricular. Tudo lotado, de sete da manhã às sete da noite. Os professores comiam na academia. E tinha telefone interno em todo o canto. Eu entrava cinco minutos em cada ringue. Se eu batesse na porta e o professor abrisse, era multado. Só podia abrir ligando antes, e se fosse eu. E tinha que dar aulas como eu queria, porque dou aula para o sujeito aprender, não para enganar. Sou chato, só penso em resolver o problema do aluno. Às vezes, o aluno é meio burrinho, ou desajeitado, mas isso não é problema dele. E essas vistorias serviam pra eu anotar quando um professor era impaciente, quando era intolerante, quando explicava mal. No final do dia, chamava todo mundo e questionava.”
Eles eram bons instrutores. Às vezes eu pegava cada um e repassava o programa, e controlava sua moral. Se eu pegasse alguém falando: “Fulano, deita”, anotava “Deita, o cacete! Sr. Fulano, faz o favor de deitar?”. Eram pequenas coisas, mas que faziam parte do método. O aluno tem que se sentir respeitado. Dávamos aula para presidentes, ministros de estado. Já pensou: “Deita, Figueiredo”? No fundo o cara não gosta . Muitos já entravam no tatame encolhidos, pois fisicamente eram inferiores, e o instrutor não podia usar sua força para ferir a moral do cara. Então, eu tenho uma maneira de conservar o aluno, quer pela atenção, pela delicadeza, respeito – um conjunto de coisas que prende o aluno. Costumo dizer para os meus filhos: o aluno só pode sair da academia por motivo de doença, viagem ou falta de grana. Não existe outro motivo. Qual outro motivo é capaz de te fazer abandonar o que gosta?”.
A academia também fornecia kimonos e toalhas limpos e lavados no início de cada treino, assim como sabonetes e shampoos. Infelizmente a saturação do centro do Rio na década de 70, assim como a diminuição da exposição do Jiu-Jitsu na mídia, fez com que a academia perdesse o charme e mudasse para o Humaitá, onde permanece até hoje.
Instrutores da Academia Gracie
Hélio vs Waldemar
Na nova e gigantesca academia alguns funcionários acabavam aprendendo Jiu-Jitsu, muitas vezes se tornando sparrings dos professores. Isso ocorreu com Armando Wriedt e George “Francês” Mehdi, no entanto o personagem com essa história que mais teve destaque na saga do Jiu-Jitsu foi Waldermar Santana, marmorista que atuava como roupeiro da academia Gracie.
Waldemar começara a treinar na academia do Flamengo, e anos depois também se mudara para a nova academia na Rio Branco. Após receber uma forte bronca de Hélio Gracie, por ter deixado as torneiras da academia ligadas no final de semana (havia faltado luz na sexta-feira e na segunda a academia estava encharcada), começou a freqüentar a academia somente como sparring. Ele se tornou personagem da mais longa luta de vale-tudo da história, e também da vida de Hélio Gracie, que interrompeu sua aposentadoria para enfrentar o pupilo em 24 de maio de 1955. Waldemar estava passando por dificuldades financeiras, e aceitara uma luta em um local onde se faziam lutas combinadas.
De acordo com Hélio:
Waldemar já estava comigo há cinco anos, e uns meses antes da nossa luta, ele chegou na academia dizendo que tinha acertado uma luta no Palácio de Alumínio, onde eram realizadas marmeladas (lutas falsas). Questionei:”Você não sabe que eu combato isso?”, e ele alegou que a luta seria no duro. “Pode até ser, mas esse lugar só tem marmelada, e se eu deixar você lutar lá, vão pensar que eu também faço essa porcaria”, justifiquei.
Ele disse que já tinha assinado o contrato e eu disse pra ele que ou ele desistia ou seria obrigado a expulsá-lo da minha casa. E foi o que aconteceu.
Um jornalista malandro arrancou dele uma declaração que eu não era aquilo tudo que se pensava. Eu tomei satisfação, ele não desmentiu e acabamos brigando, de um dia para o outro
Na época, Hélio Gracie tinha 42 anos, 67kg e Waldemar 25 anos e 94kg. A luta durou 3 horas e 45 minutos. Este foi o desenrolar segundo o jornal “O Globo” de 25 de Maio de 1955:
Waldemar passou a maior parte do tempo mantendo Hélio sob o seu corpo, aplicando cabeçadas no peito e no queixo e, de vez em quando tentando lançá-lo para fora do ringue. Hélio aplicava golpes de calcanhar para atingir os rins, bem como cotoveladas e cutelas objetivando a nuca do contendor, procurando aturdi-lo. Inúmeras vezes tentou o estrangulamento, e certa feita chegou a encaixá-lo, mas Waldemar saiu, sempre à base do jogo de pernas e socos, quando a guarda ficava aberta.
Depoimento de Carlos Gracie no mesmo jornal:
Durante mais de três horas, o combate foi igual, resistindo Waldemar a todas as tentativas de Hélio para conseguir definir a luta. Entretanto o cansaço venceu meu irmão. Quando projetado às cordas demorou a se levantar, sendo então atingido por aquele violento pontapé.
Não julguem os leitores que irei apresentar explicações que possam ser tidas como choro. Pelo contrário, desejo afirmar de início que Waldemar lutou muito bem e que sua vitória não poderá sofrer qualquer contestação. Entretanto, é preciso que se saiba que Hélio entrou nonringue apenas por uma questão de honra, sem ter dado sequer um treino. Meu irmão entendeu que não poderia fugir de uma luta contra um ex-aluno. Não se tratava de vencer e sim de dar provas que um Gracie não foge a qualquer desafio. Hélio quis demonstrar que a covardia é um estado de espírito que jamais transpôs as portas de nossa academia. Durante cinco anos, ele preparou Waldemar, um de seus alunos prediletos. Era, então, o lutador baiano um modelo de humildade e dedicação, mas encheram sua cabeça com idéias de grandeza e, quando menos esperávamos, repetiu-se um fato muito comum, a revolta da criatura contra o criador. Waldemar queria cartaz e foi encontrar desafiando justamente quem lhe ensinara a lutar.
Hélio, que não guardava nenhum rancor do ex-discípulo (“Ele continuava a me tratar bem”, lembrava) fez a seguinte análise da briga:
O medo e o respeito que ele tinha por mim o impediam de atacar, e ele fugiu o tempo todo. Eu, fraco, não podia correr atrás dele. Então fiquei esperando ele me atacar, para pegá-lo no contragolpe, que era meu forte. Por isso demorou tanto.
Carlson Gracie
Após a derrota de Hélio Gracie para Waldemar Santana a família Gracie sofreu um baque em sua imagem, e era necessário que restabelecesse sua posição. Por essa razão Carlson Gracie, sobrinho de Hélio, que era amigo de Waldemar, foi obrigado a desafiá-lo.
Carlson nasceu em 12 de Agosto de 1933 e era o filho mais velho de Carlos Gracie. Passara toda a vida acompanhando os treinamentos do tio, estreando nas competições ainda aos 5 anos de idade, no Campeonato Aberto de Jiu-Jitsu e Luta-Livre. Aos 17 anos, se tornou campeão carioca de Jiu-Jitsu.
A primeira luta profissional de Carlson foi com 18 anos, contra o japonês Sakai, de 92 quilos (Carlson na época tinha 67), resultando em empate bem visto pela diferença de peso.
Seu primeiro vale-tudo aconteceu em um evento beneficente, organizado pelos Gracie, cuja renda seria destinada à seca do nordeste, que na época fazia 10 milhões de flagelados. Os Gracie enfrentariam valentões famosos do Rio de Janeiro. O oponente de Carlson era o capoeirista “Cirandinha”, aluno do famoso capoeirista “Sinhozinho da Bahia”, que era conhecido por ter surrado 6 oponentes de uma única vez. Cirandinha pesava 94kg, e Carlson tinha 19 anos e pesava 70kg. O evento foi realizado no piso de cimento do estádio de São Januário.
No mesmo dia ocorreram lutas preliminares, onde Robson Gracie (filho mais novo de Carlos, de 16 anos, 54kg) enfrentou o lutador de luta-livre “Tatuzinho” (60kg), vencendo em menos de 2 minutos com um mata-leão após pegar as costas da montada. Hélio recrutou um aluno de 25 aulas (Guanir Vidal) para enfrentar o capoeirista Rudolf Hermany, porque, segundo ele, até mesmo para derrotar um excelente capoeirista, bastava um mínimo conhecimento de Jiu-Jitsu. Guanir finalizou a luta após uma batalha de 45 minutos.
Mesmo com uma enorme diferença de peso, Carlson venceu em 10 minutos. Depois de se enfurecer ao defender uma tentativa de dedos nos olhos por parte do adversário, “raspou” (reverteu a posição) e desferiu fortes socos no rosto que obrigaram o capoeirista a pedir para pararem a luta. Como venceu por socos, alguns jornalistas mal preparados erroneamente deivulgaram que o garoto havia ganho sem utilizar golpes de Jiu-Jitsu, imaginando que o arsenal do Jiu Jitsu se limitava às finalizações.
Robson e Carlson Gracie
O grande sucesso da luta de Carlson, agora apelidado de “O menino de ouro dos Gracie” pela imprensa, logo ocasionou outra luta. Desta vez contra Wilson Golveia, consagrado lutador de Luta Livre, que também fazia Boxe e Judô, apelidado de “Passarito”. A renda total também seria revertida integralmente à “Comissão de Socorro aos Flagelados”. Desta vez a luta seria realizada em lona na grama, no Maracanã, ao invés do cimento, em função das criticas pelos danos causados aos lutadores no evento anterior. Este foi o único evento de Vale-Tudo realizado na história do estádio. As únicas regra eram que não valeriam dedos nos olhos e o combate teria a duração de uma hora. Nas lutas preliminares os alunos da academia Gracie enfrentariam estivadores.
Carlson não era tão disciplinado como Hélio, inclusive contrariando as recomendações de seu pai sobre abstenção sexual antes das lutas, se encontrando com uma namorada no banheiro da academia (onde praticamente vivia) antes de enfrentar Passarito, e sendo descoberto por Carlos. Outro fato curioso é que Carlson costumava tirar uma soneca de cerca de 15 minutos antes de cada combate.
A luta foi realizada no dia 2 de maio, onde 35 mil pessoas compareceram no Maracanã. Nas preliminares os lutadores de Jiu Jitsu da academia Gracie venceram os estivadores com facilidade. Armando Wriedt venceu Edgar Santos em 30 segundos com um armlock, Hélio Vígio venceu João Silva em 2 minutos com o mesmo golpe e João Alberto Barreto finalizou João Paulo Pinheiro por estrangulamento aos 2 minutos e meio.
Passarito pesava 82kg e para a luta havia tomado aulas especiais de Jiu Jitsu na academia de seu manager, Augusto Cordeiro. Lutou de calção e botinas, e Carlson de kimono. Carlson tomou uma queda, nos primeiros segundos de combate, após ser cinturado, machucando o ombro. Mais tarde esse fato o prejudicou, impedindo que finalizasse a luta em uma kimura encaixada. Durante todo o resto da luta Passarito adotou a estratégia de agarrar Carlson e não lutar, travando o desenvolvimento do combate. Percebendo que Passarito estava lutando pelo empate, Carlson resolveu tirar a parte de cima do kimono para dificultar a amarração, mas foi insuficiente. Ao final do tempo regulamentar acabou sendo declarado o empate, Carlson pediu prorrogação, mas Passarito, satisfeito, recusou.
Os Gracie tinham uma filosofia própria de preparação que valorizava muito a disciplina e até mesmo elementos esotéricos, vindos das crenças de Carlos Gracie. Carlson não levava muito à sério esses elementos, gostava de rinhas de galo e de apostar em cavalos no jóquei, além de sair escondido para festas, mas segundo o próprio “Voltava cedo, porque também tinha responsabilidade”. Sua linha de pensamento era que, embora um pouco rebelde, dava conta do recado dentro do ringue. Carlson aprendera Jiu Jitsu com Hélio, no entanto também era constantemente corrigido por Carlos, que assistia os treinos e, quando observava um erro do filho marcava uma hora para demonstrar a maneira correta. De acordo com Carlson:
“Meu pai dava aula em cima dos meus erros. Dali fui desenvolvendo muitas coisas. Quando eu queria aprender alguma coisa, eu nunca mais esquecia. Tenho boa memória, levava vantagem. Era muito persistente, como meu pai. Eu pesquisava as posições, inventava uma maneira de sair delas. Inventei muitos golpes assim.”
Carlson enfrentou o forte Passarito novamente pouco menos de um ano depois da primeira luta, em 26 de Março. O evento foi realizado no campo do Vasco da Gama, sem kimono e valendo tudo, menos dedo no olho e mordidas em três rounds de meia-hora. Não haveria pontos, mas haveria juiz, seria o presidente da Federação Metropolitana de Pugilismo, o vereador Couto Souza. Na época, nem o Jiu Jitsu nem o vale-tudo tinham uma confederação específica, portanto tinham que se ligar à Federação de Pugilismo. Nas preliminares Waldemar Santana, então funcionário da Academia Gracie, massacrou o Rolo Compressor de Duque de Caxias, “Biriba”, em 7 minutos, e o jovem Hélio Vígio finalizou o campeão de luta-livre René.
Passarito tinha na época 87 kg, contra 71 kg de Carlson. A luta foi bastante dura, Carlson tomou muitas quedas, mas se defendia efetivamente atravéz da guarda de pernas. Utilizava também uma técnica que Hélio Gracie chamava de “sinapismo”, que consistia em minar da guarda os rins do adversário com os calcanhares. Segundo Ubiratan Lemos “Bater ali era como se usasse ferro em brasa. O golpe evoluía para o congetionamento dos rins e suas fatais consequencias”, não se sabe o quanto disso corresponde empíricamente à verdade, no entanto era fato que nos dias posteriores à luta os lutadores que haviam recebido esta técnica urinavam sangue.
Ao final do último round, Passarito havia ficado a luta inteira na defensiva, dentro da guarda de Carlson que continuava aplicando sinapismo. Fizeram então um round extra, e a luta seguiu da mesma forma. Os dirigentes então sugeriram que só fosse permitido aos lutadores ficarem 5 minutos no chão. Carlson concordou, mas Cordeiro, manager de Passarito, não. A Federação decidiu fazer somente mais um round de 30 minutos, caso não houvesse vencedor, a bolsa seria apreendida, apesar de estar no contrato que não haveria limite de tempo. A federação alegava que já eram 2:30 da manhã e a polícia já mandara terminar o evento.
O último round começou furioso, com Carlson acertando vários golpes de impacto, mas tomando quedas, incluindo um balão, que traziam a luta de volta ao chão onde Passarito permanecia na defensiva. Ao final do quinto round o médico da federação afirmou que os rins de passarito não resistiriam mais e que se o juiz desejasse continuar deveria assinar um termo assumindo a responsabilidade sobre eventuais consequencias. O juiz recusou e Carlson, quase fisicamente ileso de golpes, foi declarado vencedor.
Carlson figurava na imprensa como o segundo melhor lutador de Jiu Jitsu do Brasil, depois de Hélio Gracie. Jornalistas inclusive tentavam fomentar uma luta entre Carlson e outro famoso aluno da academia Gracie, Pedro Hemetério, que na época era considerado como o terceiro lutador do país. A Academia Gracie também organizava campeonatos internos tentando oficializar seu método abrasileirado de Jiu Jitsu na Federação de Pugilismo. No entanto a federação tendia para o Judô, que na época já possuía graduação de faixas (Na academia Gracie só haviam divisões entre categorias de peso e alunos principiantes, subgraduados e graduados).
Após Waldemar Santana vencer Hélio Gracie, Carlson foi o primeiro a invadir o ringue e disse ao amigo: “Agora você vai ter que lutar comigo”, visando restituir a hegemonia de sua família.
Na época da derrota de Hélio, Nelson Rodrigues escreveu várias crônicas sobre o ocorrido, entre elas:
Os Cúmplices de Waldemar
Há dias, escrevi uma crônica ‘O preto tinha alma preta’, na qual fixava a luta Waldemar x Hélio Gracie sob o ângulo racial. Um representava “o negro”, o outro representava “o branco”. E os dois, com a baba do ódio, estavam decidindo no ringue incompatibilidades tremendas e seculares. Hoje, eu desejo ver a batalha sob um aspecto não menos patético: O de sua repercussão em toda a parte. Jamais uma peleja comoveu, traumatizou tanto a opinião pública. Eu vi sujeitos graves, gravíssimos, chorando, soluçando, rilhando os dentes de alegria. A princípio não entendi essa euforia geral, essa satisfação profunda, esse delírio coletivo. Senhoras, damas ilustres, rosnavam: – Bem feito! Bem feito!
Tornou-se óbvio que a derrota de Hélio Gracie causava, aqui, allhures, o que podemos chamar de exultação universal. E a impressão que se teve, imediatamente, foi a seguinte – havia em cada brasileiro um inimigo pessoal, embuçado ou ostensivo, de Hélio, dos Gracie. Houve quem abrisse champagne; houve quem soltasse foguetes; houve, em suma, o diabo. Nas horas e nos dias que se seguiram ao triunfo de Waldemar, nasceu, cresceu a fauna misteriosa dos mecenas. Cobriram-no de presentes, de alto a baixo. Deram-lhe aparelhos de rádio, de televisão, e talvez ferro elétrico. O lutador, que, até a véspera do triunfo, não tinha dinheiro para apanhar um taioba, podia rasgar abobrinhas, se fosse o caso. Não se conhecia exemplo de uma prosperidade assim fulminante e feérica. Dir-se-ia que cada um de nós experimentava um sentimento de gratidão pessoal: todo o mundo estava reconhecido a Waldemar. E por quê?
Sim, por que até as senhoras, até mocinhas, até magistrados pareciam radiantes com a derrota de um Gracie, dos Gracie? É fácil explicar – porque essa derrota traduzia o anseio geral, uma aspiração coletiva. Todo mundo queria ver, para usar uma imagem plebéia “A caveira dos Gracie”. Certas ações individuais implicam milhões de pessoas [...]
[Waldemar] teve, a seu lado, o handcap fabuloso, que justamente faltou aos Gracie: – o de ser a expressão de uma vontade coletiva. Senão vejamos. Há vinte e tantos anos que os Gracie mantinham uma invencibilidade que parecia definitiva. Não perdiam para ninguém. Além dos meios normais do Jiu Jitsu, pareciam dispor de um arsenal de recursos encantados. E vamos e venhamos: – Nada mais humilhante para qualquer um de nós que ver na mesma cidade, quase no mesmo bairro, na mesma rua, um sujeito invencível. Dir-se-á que não temos nada com o peixe. Que importa que um lutador profissional devore outro e vice-versa? Importa sim. Os triunfos sistematicos dos Gracie já nos aviltavam, já nos atingiam, já exasperavam os que, como nós, vivemos sob o signo na pusilanimidade. E, de fato, não temos coragem de nada, somos uns encolhidos, uns acoados, e nossa vida e nosso comportamento traduzem uma derrota constante. Como suportar a euforia dos Gracie? Essa estrela cordial, que não deixava nunca de brilhar, já nos parecia um privilégio desproposital, um abuso nefando.
Quando Waldemar subiu ao ring, não estava só. Dir-se-ia que, atrás, dele e com ele, subia uma população imensa, subiam todos que gostariam de esmagar, debaixo do tacão, como uma víbora hedionda, a invencibilidasde dos Gracie. Eu disse, na crônica anterior, que sua vitória foi uma desforra, uma vingança racial. Hoje acrescento: – foi a revanche também, longamente sonhada, dos tímidos, dos nervosos, dos frágeis, dos asmáticos, dos inibidos. Todo aquele que não sobe dois degraus sem dispinéias asfixiantes, todo aquele que tem uns bracinhos de Olívia Palito, uivou, exultou com a queda do campeão. Dir-se-ia uma compensação para os que não dariam um tapa, um cascudo em ninguém.
Por isso há tanta gente querendo dar rádio, televisão e até ferro elétrico a Waldemar. E não há dúvida que ele bem o merece. No dia de sua vitória, houve uma alegria universal sim. O fraco se sentiu menos fraco, o humilhado, menos humilhado, e o marido que não pia em casa levantou por 24 horas, a crista abatida. Todos nós somos cúmplices de Waldemar.
O jornalista Carlos Renato escreveu:
Tenho impressão que Hélio Gracie morrerá dentro do ringue, trocando bofetões como qualquer garoto de 18 anos [...] O campeoníssimo nasceu sob o signo da paixão e será sempre, até cometer o último erro, vítima de sua valentia incontrolável, das emoções que não tem freios.
De toda a sua vida de praticante de Jiu Jitsu, podemos extrair uma série de erros imperduáveis. O mais trágico serviu para liquidá-lo: A luta com Waldemar Santana. Outro qualquer teria feito ouvido de mercador. Ele era uma espécie de estrela-dalva dos esportes de ringue. Na sua posição solitária, nenhuma pedra jamais conseguiria feri-lo. E, no entanto, este ídolo desceu do pedestal para enfrentar um dos homens que mais o admiraram. Acabou deixando, na lona, seu sangue e parte o prestígio contruído durante 25 anos.
O jornalista Jader Neves escreveu:
Os Gracie tem uma tradição, um rastro de vitórias, que ninguém pode igualar. A qualquer momento eles poderão desfraldar este passado como uma bandeira. E passado é coisa que não admite contestação. Ninguém pode refutar o acervo de vitórias dos Gracie. É o melhor Jiu Jitsu.
Mas o seu maior defeito é a superstimação de suas possibilidades e o despreso pelas possibilidades de seus adversários. Eles se atribuem uma invencibilidade sobrenatural. Sua maior qualidade é a coragem e, ainda, a organização. Os Gracie jamais deixaram um desafio sem resposta e ensinam um Jiu Jitsu eficiente e sadio. Geralmente procuram e conseguem extirpar das crianças e dos adultos quaisquer complexos de inibição ou medo. Sinto-me insento para elogiar os Gracie, perfeitamente à vontade, uma vez que estou de relações cortadas com a família.
Por conselho de Carlos, visando garantir a luta, Hélio Gracie ofereceu 300 mil cruzeiro à Waldemar se derrotasse Carlson no Jiu Jitsu. Nelson Rodrigues escreveu sobre isso:
Há certas quantias quase imorais, quase obscenas. Por exemplo: – 300 mil cruzeiros justificam uma Revolução Francesa. Eis por que foi um escândalo por aqui e em todo Brasil quando os Gracie depositaram essa importância na Prolar. Era o que Waldemar ganharia, além da bolsa normal, caso vencesse Carlson. E quando o rádio deu a notícia, eu vi uma senhora tremer nos seus alicerces, como se tivesse estourado ali um palavrão. E vamos e venhamos – trezentos mil cruzeiros levam um paralelepípedo ao crime!
Durante os 5 meses entre a luta de Hélio e de Carlson, Waldemar e Hélio trocaram farpas pela imprensa, onde Waldemar afirmava que gostaria de enfrentar o Campeão, e não o seu sobrinho. Hélio repondeu que caso Waldemar derrotasse Carlson, aceitaria lutar novamente, mediante a cerca de seis meses de preparação.
Carlson vs Waldemar
A luta de Carlson e Waldemar gerou a excepcional renda de 1 milhão de cruzeiros, e um público de 25 mil pessoas, que lotaram o Maracanãzinho para assistir ao combate. Antes do enfrentamento, tentaram entrevistar Carlson, mas ele estava dormindo.
A luta entretanto não emocionou muito a platéia, por ser exclusivamente de Jiu Jitsu e sem grande violência. Carlson dominou os 5 rounds de cinco minutos, montou e tentou encaixar seus golpes enquanto Waldemar somente defendia buscando o empate. A superioridade técnica de Carlson foi indiscutível, mas como não haviam pontos, foi declarado empate.
Segundo Carlson: “Waldemar se esquivou da luta o tempo todo.”
Segundo Waldemar: “Eu sabia que a parada ia ser dura. Senti, no entanto, falta de condição física, pois me submeti a uma operação há dois meses e ainda não estou de todo recuperado”
De acordo com Carlos o motivo do empate foi bem simples:”Waldemar preferiu salvar a pele à tentar ganhar os 300 mil cruzeiros.”, dizendo que só aceitaria nova luta para o filho se fossem 10 rounds e com decisão obrigatória.
Waldemar desafiou Hélio Gracie novamente, logo ao final da luta e durante muitos meses posteriores, mas não chegaram a um acordo, cada qual chamando o outro de “covarde” e “fujão”. O jornalista Carlos Renato provocava com a seguinte declaração:
“Hélio não deve enfrentar o homem que o massacrou, até aí tudo bem. Mas porque não assume, diante do fato consumado, a atitude de seu irmão George, por exemplo, que há anos faz questão de afirmar que não ser mais lutador, e sim professor?”.
Nessa época, embora com a imagem recuperada pela luta de Carlson, a academia enfrentava problemas com os outros irmãos de Carlos, principalmente George, que passaram a ensinar Jiu Jitsu por conta própria nos últimos anos, o que Carlos e Hélio não aceitavam bem por questões comerciais.
A segunda luta entre Carlson e Waldemar ocorreu em 21 de julho de 1956, no Maracanãzinho, desta vez sem kimono nas regras do Vale-Tudo. Foram acordados seis rounds de 10 minutos.
Esse vale-Tudo foi a luta mais importante de Carlson, porque, caso perdesse, desmoralizaria o nome de sua família. Carlson no entanto, após 4 rounds de muitos golpes, e impecável atuação, venceu a luta por desistência. No quarto round Waldemar havia sido salvo pelo gongo, pois Carlson conseguira uma montada e socou bastante da posição, o tempo acabou mais Waldemar ficou muito debilitado. Por essa razão o manager de Waldemar impediu que ele voltasse ao ringue para o quinto round. Teve que ser carregado para o vestiário. Carlson saiu praticamente intacto. De acordo com Waldemar:
Perdi a luta aos 5 minutos do primeiro round, quando recebi um violento calcanhar de Carlson no rosto. Daquele momento em diante, lutei zonzo, bobeando, sem uma direção de combate, mesmo porque, Carlson continuava metralhando o meu queixo, a minha boca e meu plexo solar. Depois da luta só faltei vomitar as tripas”. [No entanto, afimarva categórico:] “Eu continuo sendo o único lutador que venceu Hélio Gracie.” [esquecendo-se de Kimura que seria boa companhia.]
Waldemar Dutra, jornalista que havia inflado Waldemar para enfrentar Hélio Gracie, em 1955, escreveu em 1956 um artigo contra o processo de abrasileiramento do Jiu Jitsu que os Gracie promoviam:
Jiu Jitsu já é coisa regulamentada [referindo-se ao Judô]. Os professores brasileiros se negam a aceitar campeonatos com um regulamento que é aceito em vários países europeus, como Ingaterra, França, Itália e outros grandes centros da cultura física universal.
[...] perder a calma e sair das boas normas que devem valer numa reunião, ofendendo nosso companheiro e atingindo-os também com grosseria pecha de “ïmprensa suja” só por não estarmos do seu lado. É lamentável que o professor Hélio Gracie se descontrole com tal facilidade, sendo ele professor de uma luta que justamente se preocupa em aumentar no homem o controle emotivo. O sr. Hélio precisa compreender que não temos prevenções contra a sua pessoa [...] Ninguém lhe impede de ensinar Jiu Jitsu como bem entender. O que se lhe pede é que prepare alunos dentro das regras internacionais, para que amanhã os mesmos possam trazer para o Brasil títulos honrosos conquistados nos certames olímpicos. Isso é muito mais importante que casinhos pessoais e rivalidades estéreis.
Hélio Gracie não deu ouvidos aos jornalistas, que polemizavam este assunto com os Gracie desde 1930, quando Carlos decidiu desvincular as regras de sua escola da Kodokan. Isso foi muito favorável, pois de outra forma o Jiu Jitsu brasileiro teria desaparecido. Nessa época, embora mencione no artigo, o Judô sequer era olímpico, o que foi ocorrer nas olimpíadas de Tóquio em 1968.
Em 19 de Janeiro de 1957, Carlson Gracie enfrentou O Leão de Portugal, lutador de 102 quilos, natural da Ilha da Madeira, sob o olhar de um público de 40 mil pessoas no Maracanãnzinho. Apesar de ter desafiado Carlson, o grandalhão havia aceito uma prova de suficiência contra João Alberto Barreto, que acabou não ocorrendo em função de uma lesão de João Alberto nos treinos. Carlson iniciou o combate com uma saraivada de pontapés e tapas que fizeram o adversário recuar facilmente e finalizou aos 4 minutos e 30 segundos com um Mata-Leão.
Em 27 de julho de 1957 Carlson, com 23 anos, enfrentou novamente Waldemar Santana, em uma luta nas regras da luta livre americana. Fez um fraco treinamento e, na luta em si, em cinco rounds de 10 minutos, faltou combatividade de ambos, tornando-se monótona para a platéia. Tendo sido indisciplinado nos treinos, conseguiur gerenciar Waldemar atravéz do talento e da técnica, mas não teve condicionamento o suficiente para vencer, terminando a luta em empate.
Sob a suspeita da platéia de ter feito uma luta arranjada, Carlson tratou logo de realizar nova luta, em 16 de Novembro de 1957. Desta vez contra outro Valdemar, Valdemar Viana, por 10 anos campeão carioca de levantamento de peso, e também de lançamento de disco, integrante da polícia especial do Rio de Janeiro. Embora muito forte, e com 88 kg (13 a mais que Carlson), Viana só tinha seis meses de treinamento de luta, o que apagou um pouco o brilho da vitória de Carlson. A imprensa apenas citou no dia seguinte que a carreira de Viana durara 4 minutos, o tempo que ele levara para bater.
Em 18 de janeiro de 1958, Carlson efrentou novamente Passarito, 3 anos depois do sangrento vale-tudo que haviam feito. Passarito se preparara treinando muito judô, na esperança de vencer Carlson com quedas. No entanto, o combate foi um massacre por parte de Carlson do início ao fim. Após 30 minutos de luta, Waldemar Santana, que treinara Passarito, apresentou a desistência de seu lutador. Passarito ficara em péssimas condições e Carlson foi visitá-lo no hospital com medo que ele morresse.
Carlson em seguinda enfrentou Guanir Vidal, ex-aluno da academia Gracie que o acusara de ter feito marmelada na luta com Waldemar, finalizando em uma mata-leão. Houve revanche no programa televisivo Noite de Gala, da TV Rio, evento patrocinado pelas lojas Rei da Voz, com premiação de 150 mil cruzeiros, onde Carlson venceu aos 4 minutos por nocaute técnico.
O Sucesso das lutas acabou ganhando um espaço nobre na TV, o programa Heróis do Ringue, transmitido ao vivo, toda a segunda feira, a partir das 20:30 pela TV Continental, que fazia oposição aos programas de Tele Cath (marmelada) que estavam no auge, apresentando combates reais e a eficiência dos lutadores de Jiu Jitsu. A programação era feita por Carlos, e Hélio Gracie comentava as lutas. O programa gerava muita polêmica e grande audiência, no entanto após uma luta onde João Alberto Barreto quebrou o braço do lutador José Geraldo, o programa foi cancelado e a imagem do vale-tudo ficou comprometida por anos na imprensa. Foi a primeira fratura exposta da televisão brasileira.
No final dos anos 50, início dos 60, muitos alunos e representantes nos ringues se distanciaram da Academia Gracie com o intuito de abrir suas próprias academias. Fato natural, porque não eram mais garotos e precisavam de uma fonte de renda para sustentar suas famílias. Entre eles, também Carlson Gracie, que insatisfeito com os valores que recebia pelas lutas (sobrava-lhe pouco, a maioria ficava com o Pai Carlos, o que também havia ocorrido com Hélio em sua juventude. Hélio só começara a ganhar dinheiro após a luta com Kimura) montou uma academia em sociedade com seu aluno Ivan Gomes.
A amizade entre Carlson e Ivan começou na primeira luta entre ambos em 1963, quando Carlson tinha 30 anos. Haviam lhe dito que Ivan, ex-aluno de George Gracie, no recife, tinha 1,74m e pesava 98kg. Carlson imaginara um gordinho. Segundo o próprio, quando viu “aquele monstro de puro músculo”, pensou “Esse cara vai ser duro”. Foi nesta luta que Carlson levou o único soco de sua carreira. A luta teve três rounds e não teve vencedor. Ao término da luta Ivan disse que queria aprender Jiu Jitsu com ele e passou a frequentar a academia Gracie.
Cerca de 1 ano depois, Ivan lhe propôs a tal sociedade na abertura de uma nova academia, que Carlson aceitou prontamente devido a sua ruim condição financeira. O Empreendimento entretanto durou apenas cerca de um ano. Carlson era muito desorganizado, gastava muito com rinhas de galo, decidindo então mudar-se para a academia do amigo Hélio Vígio.
Em seguida montou uma academia sozinho em Copacabana, que logo ficou lotada. Ao contrário dos irmãos e dos tios, que destinavam seu Jiu Jitsu aos filhos da burguesia, a academia de Carlson era popular, boa parte dos alunos recebiam descontos, e alguns sem condição nenhuma, não pagavam. Em troca Carlson exigia deles dedicação e desempenho competitivo. Também ensinava em grupos, e não em classes particulares como o tio. Essa era uma boa maneira de divulgar sua academia, e Carlson através deste método montou senão o maior, um dos maiores times competitivos do Jiu Jitsu de todos os tempos. Este time viria a rivalizar com a Academia Gracie e outras academias nos anos futuros. Carlson foi também o primeiro a usar figuras de animais como símbolo da academia, o que se tornou moda nas décadas seguintes no Rio de Janeiro.
Em 1968 Carlson enfrentou o famoso Euclides Pereira, o Galã do Ringue, no Estádio da Fonte Nova, em Salvador, ainda mais popular no nordeste que Waldemar. Euclídes aprendera Jiu Jitsu em Recife com ótimos alunos de George Gracie e Takeo Yano, treinara boxe regularmente com os melhores treinadores de Pernambuco e também uma versão modificada da Capoeira, adaptadaa ao Vale-Tudo. Pesava 75 quilos e treinava todos os dias com Ivan Gomes e tinha, segundo o próprio, um cartel de mais de 200 vitórias em lutas profissionais que incluíam verdadeiros gigantes, de mais de 90 quilos. Apesar de constar no contrato que seria um Vale-Tudo, na última hora os organizadores informaram que seria adotada a contagem de pontos. Carlson e Hélio não aceitaram e sairam do ringue. O público vaiou, e então Hélio decidiu que Carlson deveria lutar.
Conhecendo bem o jogo de seu oponente, Euclides fez de tudo para anular Carlson, evitando a luta de chão e aplicando vários golpes, buscando a vitória por pontos. No penúltimo round ele acertou o nariz de Carlson, que pela primeira vez, sangrou no ringue. Carlson continuou tentando vencê-lo até o final do tempo regulamentar, quando os juizes se reuniram com os assistentes e deram a vitória para Euclides. Foi a única derrota de Carlson, ocasionada por pontos, em sua 19 lutas públicas.
Excetuando sua luta no Primeiro Campeonato Carioca, e a primeira contra Waldemar, todas as lutas de Carlson foram de Vale-Tudo, sendo certamente o maior competidor da família na modalidade.
Ele encerrou sua carreira em 18 de setembro de 1970, contra seu tradicional oponente, Waldemar Santana em um vale-tudo onde foi acertado contagem de pontos. No meio do combate Carlson, segundo o próprio, estava com a luta na mão, mas Waldemar Agarrado a ele teria dito ao seu ouvido “Não me finaliza! Eu tenho academia, família, vou ficar desmoralizado na cidade. Por favor!”. Atendendo ao pedido, Carlson levou a luta até o final, vencendo por pontos seu combate final.